Um livro escrito por dois arqueólogos americanos gerou controvérsia na
comunidade científica ao defender que os europeus, e não povos provenientes
da Ásia, foram os primeiros colonizadores do continente americano.
O livro, lançado recentemente em Washington, aponta novas descobertas
arqueológicas, indicando que a América foi colonizada inicialmente por
europeus da Idade da Pedra, que cruzaram o Atlântico de barco durante a
última Era Glacial, há cerca de 20 mil anos.
Com *Across Atlantic Ice: The Origin of America’s Clovis Culture *(Pelo
gelo do Atlântico: a origem da cultura Clóvis da América, em tradução
livre), Dennis Stanford, do Museu Nacional Smithsonian de História Natural,
em Washington, e Bruce Bradley, da Universidade de Exeter, no Reino Unido,
deram início a uma polêmica entre seus colegas arqueólogos.
É que eles defendem uma teoria considerada radical sobre quem foram os
primeiros americanos e quando estes chegaram ao Novo Mundo.
*Across Atlantic Ice* traça as origens dos solutrenses, que ocuparam o
norte da Espanha e França, e de seus supostos descendentes da cultura
Clóvis - surgida no final da Era do Gelo e assim batizada por conta dos
artefatos encontrados perto da cidade de Clóvis, no Novo México (EUA). O
povo da cultura Clóvis era considerado o mais antigo habitante das
Américas, com cerca de 13 mil anos.
"O livro é bem pesquisado, interdisciplinar e sério. Mas os dados
científicos concretos ainda não estão lá para provar ou refutar a teoria",
disse à BBC Brasil Tom Dillehay, renomado arqueólogo da Universidade
Vanderbilt, no Tennessee.
"Estamos pesquisando teorias para explicar o povoamento das Américas. Esta
hipótese é uma das possibilidades, mas os dados genéticos e
bioarqueológicos atuais assinalam que a Sibéria, e não a Europa, foi o
ponto de entrada."
Ferramentas
Há vários anos Stanford e Bradley têm afirmado que os seres humanos da
Idade da Pedra eram capazes de fazer a viagem através do gelo do Atlântico.
Mas ainda não contavam com provas suficientes que apoiassem tais indícios.
Agora, no entanto, eles dizem ter indícios que sustentam a teoria.
Dezenas de ferramentas de pedra em estilo europeu, que remontam a um
período entre 19 mil e 26 mil anos atrás, foram descobertas em seis locais
diferentes ao longo da costa leste dos Estados Unidos.
Três deles estão localizados na Península Delmarva, em Maryland. Outros
dois foram encontrados na Pensilvânia e em Virgínia. Pescadores acharam o
último no fundo do mar, a 96 km da costa de Virgínia.
De acordo com a dupla, a completa ausência de qualquer atividade humana no
nordeste da Sibéria e no Alasca, num período anterior a 15,5 mil anos
atrás, é outro argumento fundamental para a teoria deles.
Também defendem que os europeus podem ter sido parcialmente absorvidos ou
destruídos pelos índios asiáticos originários.
Além disso, alguns marcadores genéticos para a Idade da Pedra dos europeus
ocidentais simplesmente não existem no nordeste da Ásia.
Mas já aparecem em pequenas quantidades entre alguns indígenas
norte-americanos, o que indicaria uma herança genética desses primeiros
habitantes.
Também alguns exames de DNA antigo extraído de esqueletos com 8 mil anos na
Flórida revelaram um alto nível de um marcador genético europeu.
Mas há especialistas que discordam deles.
"Os argumentos do livro merecem ser completamente e conscientemente
analisados", afirmou Gary Haynes, arqueólogo da Universidade de Nevada.
"Tenho certeza de que existem muitas pessoas do público em geral e
arqueólogos que aceitarão as teorias, mas não estou convencido."
Haynes disse sentir-se eticamente obrigado a ser cético. De acordo com ele,
"as teorias são apenas parcialmente sustentáveis com os indícios
disponíveis.
Alguns dos argumentos não são lógicos, não foram analisados, ou se baseiam
em pressupostos não comprovados e proposições".
DNA
Haynes enumera uma série de fatores que refutam a teoria defendida no
livro. Entre eles, destaca que o DNA encontrado em populações nativas
americanas não indica uma origem na Europa Ocidental, mas uma ascendência
asiática.
O mesmo, de acordo com ele, pode ser dito com relação ao material genético
encontrado - tanto nos antigos quanto nos modernos - esqueletos dos nativos
americanos.
Além disso, não há esqueletos humanos nas Américas mais velhos do que os da
cultura Clóvis; as idades da cultura Solutrense na Europa e da Clóvis nas
Américas são amplamente separadas.
O arqueólogo brasileiro Walter Alves Neves, responsável pelo estudo de
Luzia, o esqueleto humano mais antigo do continente americano, não quis
emitir opinião sobre o livro.
Questionado pela BBC Brasil sobre a nova teoria de Bradley e Stanford,
afirmando que os europeus foram os primeiros moradores do Novo Mundo, ele
disse desconhecer a hipótese publicada recentemente nos Estados Unidos.
Bradley, por sua vez, considera positivas as críticas a sua teoria. Esse é
o caminho natural, diz ele, com a colaboração dos críticos trazendo provas
adicionais ou interpretando os indícios atuais.
Segundo Bradley, a arqueologia raramente produz certezas. "Sentimos que as
descobertas atuais são muito atraentes, mas para esta teoria ganhar
aceitação esmagadora é preciso haver provas adicionais", disse.
O livro é resultado de mais de uma década de trabalho. Stanford e Bradley
afirmam que estão apenas no início da jornada e seguem investigando outros
locais no Tennessee, em Maryland e no Texas, onde esperam encontrar mais
provas que sustentem a teoria. Também estão programadas pesquisas no Maine
e na costa oeste americana.
Mas é possível que a maior quantidade de indícios venha do fundo do oceano
- nas áreas onde os europeus teriam saído do gelo para a terra seca,
atualmente cerca de 160 km abaixo do nível do mar.
Em meados deste ano, Bradley estará em São Paulo e, possivelmente, no
Uruguai, para pesquisar indícios de povos primitivos ao longo do lado
oriental do continente.
Fonte: BBC
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