domingo, 18 de março de 2012

Livro polêmico diz que europeus colonizaram América antes de indígenas

Um livro escrito por dois arqueólogos americanos gerou controvérsia na 
comunidade científica ao defender que os europeus, e não povos provenientes 
da Ásia, foram os primeiros colonizadores do continente americano. 
O livro, lançado recentemente em Washington, aponta novas descobertas 
arqueológicas, indicando que a América foi colonizada inicialmente por 
europeus da Idade da Pedra, que cruzaram o Atlântico de barco durante a 
última Era Glacial, há cerca de 20 mil anos. 
Com *Across Atlantic Ice: The Origin of America’s Clovis Culture *(Pelo 
gelo do Atlântico: a origem da cultura Clóvis da América, em tradução 
livre), Dennis Stanford, do Museu Nacional Smithsonian de História Natural, 
em Washington, e Bruce Bradley, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, 
deram início a uma polêmica entre seus colegas arqueólogos. 
É que eles defendem uma teoria considerada radical sobre quem foram os 
primeiros americanos e quando estes chegaram ao Novo Mundo. 
*Across Atlantic Ice* traça as origens dos solutrenses, que ocuparam o 
norte da Espanha e França, e de seus supostos descendentes da cultura 
Clóvis - surgida no final da Era do Gelo e assim batizada por conta dos 
artefatos encontrados perto da cidade de Clóvis, no Novo México (EUA). O 
povo da cultura Clóvis era considerado o mais antigo habitante das 
Américas, com cerca de 13 mil anos. 
"O livro é bem pesquisado, interdisciplinar e sério. Mas os dados 
científicos concretos ainda não estão lá para provar ou refutar a teoria", 
disse à BBC Brasil Tom Dillehay, renomado arqueólogo da Universidade 
Vanderbilt, no Tennessee. 
"Estamos pesquisando teorias para explicar o povoamento das Américas. Esta 
hipótese é uma das possibilidades, mas os dados genéticos e 
bioarqueológicos atuais assinalam que a Sibéria, e não a Europa, foi o 
ponto de entrada." 
Ferramentas 
 Há vários anos Stanford e Bradley têm afirmado que os seres humanos da 
Idade da Pedra eram capazes de fazer a viagem através do gelo do Atlântico. 
Mas ainda não contavam com provas suficientes que apoiassem tais indícios. 
Agora, no entanto, eles dizem ter indícios que sustentam a teoria. 
Dezenas de ferramentas de pedra em estilo europeu, que remontam a um 
período entre 19 mil e 26 mil anos atrás, foram descobertas em seis locais 
diferentes ao longo da costa leste dos Estados Unidos. 
Três deles estão localizados na Península Delmarva, em Maryland. Outros 
dois foram encontrados na Pensilvânia e em Virgínia. Pescadores acharam o 
último no fundo do mar, a 96 km da costa de Virgínia. 
De acordo com a dupla, a completa ausência de qualquer atividade humana no 
nordeste da Sibéria e no Alasca, num período anterior a 15,5 mil anos 
atrás, é outro argumento fundamental para a teoria deles. 
Também defendem que os europeus podem ter sido parcialmente absorvidos ou 
destruídos pelos índios asiáticos originários. 
Além disso, alguns marcadores genéticos para a Idade da Pedra dos europeus 
ocidentais simplesmente não existem no nordeste da Ásia. 
Mas já aparecem em pequenas quantidades entre alguns indígenas 
norte-americanos, o que indicaria uma herança genética desses primeiros 
habitantes. 
Também alguns exames de DNA antigo extraído de esqueletos com 8 mil anos na 
Flórida revelaram um alto nível de um marcador genético europeu. 
Mas há especialistas que discordam deles. 
"Os argumentos do livro merecem ser completamente e conscientemente 
analisados", afirmou Gary Haynes, arqueólogo da Universidade de Nevada. 
"Tenho certeza de que existem muitas pessoas do público em geral e 
arqueólogos que aceitarão as teorias, mas não estou convencido." 
Haynes disse sentir-se eticamente obrigado a ser cético. De acordo com ele, 
"as teorias são apenas parcialmente sustentáveis com os indícios 
disponíveis. 
Alguns dos argumentos não são lógicos, não foram analisados, ou se baseiam 
em pressupostos não comprovados e proposições". 
DNA 
Haynes enumera uma série de fatores que refutam a teoria defendida no 
livro. Entre eles, destaca que o DNA encontrado em populações nativas 
americanas não indica uma origem na Europa Ocidental, mas uma ascendência 
asiática. 
O mesmo, de acordo com ele, pode ser dito com relação ao material genético 
encontrado - tanto nos antigos quanto nos modernos - esqueletos dos nativos 
americanos. 
Além disso, não há esqueletos humanos nas Américas mais velhos do que os da 
cultura Clóvis; as idades da cultura Solutrense na Europa e da Clóvis nas 
Américas são amplamente separadas. 
O arqueólogo brasileiro Walter Alves Neves, responsável pelo estudo de 
Luzia, o esqueleto humano mais antigo do continente americano, não quis 
emitir opinião sobre o livro. 
Questionado pela BBC Brasil sobre a nova teoria de Bradley e Stanford, 
afirmando que os europeus foram os primeiros moradores do Novo Mundo, ele 
disse desconhecer a hipótese publicada recentemente nos Estados Unidos. 
Bradley, por sua vez, considera positivas as críticas a sua teoria. Esse é 
o caminho natural, diz ele, com a colaboração dos críticos trazendo provas 
adicionais ou interpretando os indícios atuais. 
Segundo Bradley, a arqueologia raramente produz certezas. "Sentimos que as 
descobertas atuais são muito atraentes, mas para esta teoria ganhar 
aceitação esmagadora é preciso haver provas adicionais", disse. 
O livro é resultado de mais de uma década de trabalho. Stanford e Bradley 
afirmam que estão apenas no início da jornada e seguem investigando outros 
locais no Tennessee, em Maryland e no Texas, onde esperam encontrar mais 
provas que sustentem a teoria. Também estão programadas pesquisas no Maine 
e na costa oeste americana. 
Mas é possível que a maior quantidade de indícios venha do fundo do oceano 
- nas áreas onde os europeus teriam saído do gelo para a terra seca, 
atualmente cerca de 160 km abaixo do nível do mar. 
Em meados deste ano, Bradley estará em São Paulo e, possivelmente, no 
Uruguai, para pesquisar indícios de povos primitivos ao longo do lado 
oriental do continente. 


Fonte: BBC

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